Alguém vai me dizer: você está dizendo que não há motivos para protestar? Não é isso. Claro que há. Mas por que agora? Por que no Brasil com pleno emprego, inflação sob controle, corruptos sendo condenados e indo para a cadeia, milhões de pessoas deixando de ser miseráveis ou pobres? Não seria motivo para festa, em vez de protesto? Então o que é que explica as manifestações?
Essas manifestações (nos EUA, Europa, países árabes, Turquia e no Brasil) têm algumas coisas em comum:
- Começam com questões pontuais e se alastram, ampliando o leque das questões, o número de participantes e os locais onde acontecem;
- São combinadas pela Internet (redes sociais);
- São apartidárias, sem lideres claros, sem comando, em rede.
- Começam pacíficas mas descambam para a violência e o confronto com a polícia. As pessoas que participam de forma mais agressiva fazem um quebra-quebra parecido, com as mesmas táticas, e estão sempre mascaradas.
- O confronto com a polícia (documentado pela internet) cria indignação e atrai a solidariedade e mais mais participantes. O confronto no fim é estratégico, pois quem participou no começo se identifica com os agredidos e isso alimenta a próxima manifestação.
- A imprensa, que vem se tornando cada vez mais parcial e tendenciosa, foi desacreditada pela Internet. Então, não adianta chamar os manifestantes de arruaceiros ou baderneiros, mesmo se for isso mesmo. As pessoas acreditam mais nos vídeos postados nas redes.
- Não há como negociar demandas pois, quando há, são ou indefinidas ou inviáveis. A indefinição das demandas é também estratégica, pois não há consenso possível entre os manifestantes.
Alcançamos uma massa crítica em que duas condições foram alcançadas:
- A internet está acessível a uma parcela muito significativa da população dos países onde os protestos vêm acontecendo. Isso favorece o engajamento em causas, a convocação de manifestações, a troca de informações sobre as táticas e os resultados, e a comoção quando a violência acontece.
- Um grupo grande de novos ativistas que rejeitam o sistema político estão se formando para agir por diversas causas. Eles garantem que as manifestações aconteçam bem no início e, em alguns casos, acabem mal. O despreparo da polícia, em alguns casos, e a capacidade de manipulação da polícia, em outros casos, favorecem a violência contra e pelos ativistas.
Essas duas condições são o fósforo aceso que coloca fogo nos povos desses países, que já eram inflamáveis (e continuam inflamáveis no Brasil, apesar das melhorias dos últimos 20 anos e da ênfase social dos últimos 10).
Vão continuar? Vão. A Internet está aí, com as pessoas divulgando, além de verdades e denúncias importantes, informações falsas, que geram medo, revolta, raiva e vontade de fazer alguma coisa. Hoje, os políticos precisam entender que o povo sabe o que eles fazem de ruim (e imaginam que é pior ainda). É uma mudança qualitativa importante.
Ainda, é preciso entender os novos ativistas. Suas propostas em geral não são capazes de mobilizar a maioria da população. Mas eles sabem jogar com a internet, nasceram com a rede, trocam informações sobre ativismo globalmente. Suas táticas são adaptativas e difíceis para os governos lidarem.
O fósforo continua aceso e ameaçando cair na vasilha com líquido inflamável. É essencial diminuir a inflamabilidade do líquido, isto é, melhorar as condições de vida, dos serviços públicos, e adotar estilos de governo mais austeros, sem luxos, com muita consideração pelo dinheiro público. Não importa que as políticas públicas deem resultados. Cada político deve imaginar que há uma câmera filmando seus passos no dia-a-dia e o os impactos de suas decisões, e que o mundo todo está vendo tudo o que ele faz. É quase verdade, pois todo mundo tem uma câmera no celular e uma conta na Internet para publicá-lo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários agressivos ou caluniosos não serão aprovados