segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O papel do estado e o capitalismo (in)sustentável: breve reflexão sobre a esquerda e a sustentabilidade no governo Dilma

Quem se diz de esquerda também deveria se dizer verde, e quem se diz verde também deveria se dizer de esquerda.
Muitos de nós, ambientalistas, temos uma inclinação à esquerda. Até onde vai a inclinação varia muito. Ser de esquerda não é bem claro. Por exemplo, no que se refere ao meio ambiente, os ambientalistas de esquerda podem defender:

  • Um Estado forte e regulador da atividade privada: por meio de leis e normas ambientais, licenciamentos rigorosos, fiscalização, etc., que garantam a sustentabilidade da economia. Neste modelo, quanto mais o estado aperta as normas e a fiscalização, mais os custos socioambientais são internalizados nos negócios, o que diminui os lucros ou aumenta os preços, desagradando empresários e consumidores, diminuindo a geração de empregos e gerando riscos eleitorais. Dessa forma, o Estado regulador busca um equilíbrio entre diferentes interesses públicos e privados, sendo que este equilíbrio nem sempre fica numa zona de sustentabilidade. Este modelo poderia funcionar se todos os países o aplicassem ao mesmo tempo, mas a tendência é uma "tragédia dos comuns" em que alguns países (ou estados) flexibilizam as exigências exportando os custos ambientais para o restante do planeta. Isso não chega a questionar a natureza do capitalismo, que é mobilizado por atores privados em ambiente de mercado em busca de lucro. O governo federal vem sendo criticado por estar afrouxando as exigências, afastando-se desse modelo de sustentabilidade.    
  • Um estado re-distribuidor da renda: por meio de impostos mais altos aos mais ricos e uso desses recursos em políticas sociais e ambientais e programas de redistribuição de renda ou de renda mínima (como o Bolsa Família ou o Bolsa-Verde). Neste modelo, os mais ricos pagam mais impostos que são usados na resolução dos problemas ambientais e nos subsídios necessários para pagar pela internalização dos custos ambientais. Este modelo pode sofrer forte oposição dos mais ricos, ameaçar o financiamento de campanhas eleitorais futuras, afugentar investidores e capitais para outros países, etc. De novo, sofre pela não aplicação global do modelo. Ao mesmo tempo, considerando a instabilidade política e econômica do Brasil, esse modelo tem limites. Entretanto, taxar mais os mais ricos mais poluidores/depredadores seria provavelmente uma boa ideia, pois um dos rumos de fuga seria tornarem-se menos poluidores/depredadores. Assim, no processo esquerdista de aumentar os impostos para os mais ricos deveria estar um critério ambientalista de não aumentar tanto para os mais ricos mais sustentáveis. Este tipo de Estado tampouco questiona o capitalismo, mas tem sido a base do governo federal, que infelizmente não introduz de forma efetiva a variável socioambiental nesse modelo.   
  • O estado mantenedor e fomentador da infraestrutura de forma estratégica para favorecer o meio ambiente: que investe, e participa muito, desde na construção de infraestrutura orientada pelos padrões de sustentabilidade até na estruturação adequada de unidades de conservação. Hoje reclama-se que o estado investe pouco e gasta muito em custos recorrentes (salários), devido entre outros fatores a exigências constitucionais. Por isso, este é um modelo meio sonhador, especialmente para o Brasil, onde se gasta pouco com os investimentos que dariam conta das atividades que devem gerar um necessário aumento da renda. Porém, quando se aumenta investimentos, se estes gerarem menos danos ambientais, serão reduzidas as despesas em outros campos da economia, sobrando mais recursos para investir. Um estado que mantém a infraestrutura de forma estratégica é importante para favorecer a sustentabilidade, mas ainda não é anti-capitalista. Porém, não há nada que impeça a viabilidade deste modelo, pelo menos com o pouco que sobra dos impostos para investimentos. Infelizmente, este modelo, que vem sendo implantado no Brasil, ainda incorpora pouco a questão da sustentabilidade, mas há casos interessantes, como os das casas do Programa Minha Casa Minha Vida que estão sendo construídas com energia solar para aquecimento de água.        
  • O estado fomentador estratégico da atividade privada com critérios e salvaguardas ambientais: por meio de incentivos, empréstimos e compras com salvaguardas socioambientais. Critérios e salvaguardas ambientais são essenciais, mas este tipo de estado tampouco questiona o modelo capitalista. É um estado que depende desse modelo para arrecadar impostos. Fomentar o país numa direção particular é um desafio e pode reduzir a competitividade do país. Mas o sucesso de país, hoje, está intimamente ligado à sustentabilidade. Este modelo ainda é baseado no capitalismo, mas o Estado, como grande consumidor e financiador, não só regula e fomenta, e redistribui renda e custos, mas também direciona a produção. É um modelo muito viável e competitivo, mas ainda pouco incluído nas políticas públicas brasileiras. O Brasil fica satisfeito de apresentar uma proporção alta de energias renováveis em sua matriz, mas camufla o fato de seu consumo energético estar aumentando e, assim, embora a proporção de energia não renovável se mantenha a mesma, a quantidade vem aumentando.     
  • O estado desenvolvedor da atividade econômica sustentável: por meio de estatais e concessões públicas com padrões de sustentabilidade, geradoras de empregos e renda. O governo federal ainda desenvolve pouco esse modelo, este sim, menos capitalista. As empresas federais na área de sustentabilidade ainda têm presença tímida. A maior empresa estatal, ou de economia mista, a Petrobras, tem seu foco maior na energia não renovável. Investimentos do governo, por meio do BNDES, e dos grandes fundos de pensão de empresas estatais em empresas privadas não sustentáveis aumentam o compromisso do Estado brasileiro com a poluição e a degradação dos recursos naturais. É o caso dos investimentos do BNDES em empresas frigoríficas e de mineração. Enquanto isso, empresas geradoras de energia eólica, por exemplo, seguem predominantemente privadas. Assim, embora o Estado brasileiro pudesse ao mesmo tempo ser vanguarda na sustentabilidade e questionador do capitalismo, não o faz. 
Vemos que as opções acima estão alinhadas mais ou menos numa ordem crescente de "esquerdismo".  Conclui-se que, embora a sustentabilidade esteja à esquerda do espectro político ideológico, já que à direita ela não é viável do ponto de vista econômico, o Brasil de esquerda do governo Dilma vem desperdiçando oportunidades de tornar isso uma realidade ao presumir que a sustentabilidade é um tema da direita. É um engano. Como vimos acima, sem sustentabilidade, a economia não precisa tanto da esquerda.

Um capitalismo verde será sempre uma economia de nicho, mas um socialismo verde, ou no mínimo uma social democracia verde, são bem mais possíveis. Por outro lado, para o capitalismo predador a direita é bem melhor que a esquerda.

Por isso, quem se diz de esquerda também deveria se dizer verde, e quem se diz verde também deveria se dizer de esquerda.

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