Vamos dizer que você votou em Lula e Dilma, como eu, que gosta de muitos dos resultados nas políticas econômica e social, mas detesta as alianças políticas. Vamos dizer que você engole. Você foi convencido que era necessário. Que era o único jeito de garantir a governabilidade. Mas um dia, você escuta Marina Silva, não o que ela diz, mas o que está por trás do que ela diz, e percebe que o presidencialismo de coalizão (esse modelo praticado por Lula e Dilma) não existe, é inútil, é uma enganação da qual Lula, Dilma, o PT, o povo brasileiro e você e eu fomos vítimas. Como você reagiria?
O que Marina disse que me fez despertar para essa realidade? A sua proposta, aparentemente frágil, de articular com o Congresso. É uma parte da proposta de Marina que sempre achei fraca, a mais fraca, a que me fazia ainda pensar em votar em Dilma. Até que caiu a ficha.
É sua visão de articulação política no Congresso, de governar com os melhores, de buscar as pessoas boas em todos os partidos. Isso é entendido por muitos como um desprezo aos partidos.
Eu sempre engoli o presidencialismo de coalizão. Sem fazer alianças, não se votaria nada no Congresso. O PT passou a comprar essas alianças, não com o mensalão, como se diz, mas com cargos no governo, com ministérios. Fez alianças com seus inimigos. Entregou ministérios inteiros a partidos que antes desprezava. Aos "500 picaretas", como dizia Lula nos anos 1980-90. Isso ficou conhecido como "presidencialismo de coalizão" e foi somente uma intensificação da prática do governo anterior.
No presidencialismo de coalizão, o programa do partido pouco importa. O que importa são quantos votos o partido tem no Congresso e quantos minutos isso dá na propaganda eleitoral. Isso, segundo a tendência de Lula no PT, era necessário para dar governabilidade. Muita gente não engoliu isso e saiu do PT. Formou-se o PSOL, que recebeu vários dos "companheiros", como a turma se chamava. Simpatizantes do PT, decepcionados, ou foram apoiar outros partidos, ou desistiram da politica, ou desenvolveram um verdadeiro ódio pelo PT, pois se consideraram traídos.
Mas muitos engoliram aquele papo de governabilidade. Eu, por exemplo, me conformei com a realidade política brasileira, com o pragmatismo do PT, e achei que os fins (a melhoria das condições de vida de nosso povo) justificavam os meios (o governo de coalizão). Mas eu estava enganado. Os fins só justificam os meios quando os meios são necessários. Marina me fez ver que o presidencialismo de coalizão é inútil.
A cada votação, o PT, que já loteou o governo, suas agências e empresas com muitos representantes das oligarquias brasileiras e do que há de pior na política, e que supostamente já tem maioria no Congresso, tem ainda que reconstruir essa maioria. Cada votação precisa ser novamente "comprada" com cargos, verbas e concessões em outras votações. O resultado foi que Lula e Dilma, às vezes com 90% de popularidade, não conseguem aprovar seus projetos simplesmente baseados na lealdade de sua base. Por quê?
Porque a "base" foi construída com base errada, ou com a base errada. Não há interesse da base nas propostas do PT. Não há afinidade programática. Com isso, não há base de verdade, não há coalizão. O PT não sabe articular politicamente com o Congresso. É tudo uma ilusão!
Lula acreditou nessa ilusão e nos fez acreditar também. Marina viu melhor. Percebeu a ilusão. Temos que articular com o Congresso, mas sem lotear o governo, sem se aliar com nossos inimigos, sem comprar apoio com cargos e verbas. Cooperar com quem compartilha o nosso projeto. Negociar propostas para o Brasil, a cada proposta, convencendo, argumentando, cedendo aqui, avançando ali, mas sem comprar apoios com cargos e verbas que depois são utilizados para manter o pior da política. Não sei se é isso o que Marina propõe exatamente, mas ela sem dúvida me fez perceber que não posso votar em quem loteia o governo para construir sua base.
Não é a proposta de Marina que despreza o sistema partidário. É o presidencialismo de coalizão, que enfraquece e despreza os programas dos partidos, que se volta apenas para a negociação de interesses políticos, que cria uma casta de políticos voltados para si mesmos e para se perpetuar no poder, sem ligar para os programas de seus partidos ou para o que estão votando para o Brasil.
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