Não adianta juntar nesse novo partido uma porção de indignados com os mensalões, os fisiologismos e a corrupção. Tem que juntar as pessoas com as ideias certas, a capacidade de negociação, a capacidade de execução, e a ética
A imprensa dá como certo que Marina Silva já decidiu que vai criar um novo partido, com base no Movimento Social Nova Política, um movimento suprapartidário lançado no ano passado por Marina, que após obter 20 milhões de votos nas eleições presidenciais de 2010, não ter se aliado a nenhum dos dois candidatos classificados para o segundo turno, ter decidido deixar o Partido Verde, serviu de canal para a expressão, amadurecimento e manutenção do grupo político que ousou uma candidatura diferente: seu "capital político".
Além do Movimento Nova Política, a discussão sobre o Código Florestal também serviu para aglutinar os aliados, manter uma polarização com o governo e destacar Marina na ausência de um cenário eleitoral. Apesar disso, Marina é muito coerente em seu discurso e ações e não dá para afirmar que sua atuação em relação ao Código foi somente estratégia política para 2014. Na verdade, a questão do Código Florestal era parte do centro da atuação política da ex-candidata, ex-senadora e ex-Ministra do Meio Ambiente, então, não dava para ela ficar só assistindo.
Agora, falta pouco mais de um ano para o clima da disputa presidencial esquentar, um efeito estufa eleitoral. O que representará a candidatura de Marina e seu novo partido?
Em 2010, aderi à sua campanha e acredito que as propostas e jeito de fazer política de Marina realmente oxigenaram a disputa e forçaram propostas importantes para dentro das propostas dos candidatos do segundo turno, e da própria atuação do governo na área ambiental, especialmente na Política sobre Mudança do Clima. Mas a presença da Marina na disputa também teve "efeitos colaterais", criando fenômenos indesejáveis para a democracia brasileira:
- A atração que sua candidatura exerceu sobre os evangélicos, que atuaram como uma força política, ameaçando o aspecto laico de suas propostas, e aglutinando uma série de ideias conservadoras que depois foram utilizadas por partidários do candidato Serra num jogo eleitoral sujo e difamador. Entre as propostas conservadoras que foram reforçadas na disputa estavam aquelas que limitariam avanços para os homossexuais e os direitos reprodutivos das mulheres.
- A personalização da disputa, já que Marina se apoiou em um partido pequeno, sem expressão, cuja força se resumia ao próprio carisma da candidata. Seria duvidoso que essa força política pudesse se organizar sem Marina, enquanto o PT ou o PSDB se organizariam mesmo sem Dilma, Lula, Serra ou Aécio. São forças institucionalizadas, enquanto a candidatura de Marina dependia fundamentalmente de seu carisma.
Então, o que esperar de sua candidatura e de seu partido? Há vários perigos. No contexto atual, o maior risco é que a candidatura de Marina seja a candidatura da direita, que seja "sequestrada" por conservadores, que sirva apenas para tirar votos da candidatura de Dilma. A imprensa deve dar força para essa candidatura, uma vez que parece engajada em um processo para desgastar a imagem do atual governo. Para quem não gosta do governo, seria ótimo. Mas eu gosto, no geral, dos governos do PT, que produziram avanços inegáveis no combate à pobreza e à miséria.
Alguém partidário da Marina vai dizer que ela não está à direita ou à esquerda, mas à frente. Mas isso também não será fácil. Se for contra o casamento civil para homossexuais, contra o aborto, se permitir interferência religiosa nos programas do governo, estará não somente à direita de Dilma (atraindo os partidários do PSDB, do DEM e do chamado PIG - imprensa que hoje se coloca para detonar o governo Dilma e o PT), mas também estará atrás. Para estar à frente, não basta defender energia eólica e a conservação das florestas. As questões do Brasil são maiores que somente as questões ambientais e Marina deverá ser, como presidente, mais que uma boa Ministra do Meio Ambiente. Ela sabe disso, como mostrou em sua campanha em 2010, mas o magnetismo de sua candidatura vai atrair aliados que têm como foco essas questões. Se estiver à direita, e for a principal opção, vai atrair o conservadorismo.
Por outro lado, se estiver à esquerda, Dilma é quem vai atrair esse público, juntamente com os anti-meio ambiente. Ficaria uma identidade mais harmônica se Marina e o meio ambiente estivessem à esquerda, e não à direita. À direita deveria ficar o conservadorismo ambiental, econômico e moral. Acho que uma candidatura Marina em 2014 bagunça tudo. É provável que seja conservadora nos valores morais e na economia, e avançada em relação ao meio ambiente e às práticas políticas. Deixará Dilma avançada nos valores morais e na economia, e atrasada em relação ao meio ambiente e às práticas políticas. Situação difícil! Para mim, gostaria de ver Dilma e o PT se moverem à esquerda e à frente, deixando para trás o PMDB, os ruralistas e as velhas práticas políticas, e aproximando-se de uma visão avançada em relação ao meio ambiente. Não deve acontecer.
Por isso, acredito que Marina acerta na criação de um partido. Há espaço para isso. Os partidos estão desgastados e sem credibilidade. As pessoas precisam de espaços de reflexão, organização política e encaminhamento de suas propostas. O único partido em que realmente havia uma institucionalização da participação democrática era o PT, e isso se perdeu em grande parte. Então o espaço existe, se for isso que a "nova política" significa.
A perspectiva, porém, não deve ser, necessariamente, de ter Marina presidente em 2015, mas sim de ter um novo partido em 2014, com propostas, capacidade de negociação, e possibilidade de alianças com outros partidos. Deve ser uma política ética sem cometer o erro petista de pretender ser o dono da ética. E não basta ser o campeão da honestidade e da ética. É melhor ser o campeão dos resultados para a população, ser o campeão da efetividade, mesmo sem a perfeição impossível. Então, não adianta juntar nesse novo partido uma porção de indignados com os mensalões, os fisiologismos e a corrupção. Tem que juntar as pessoas com as ideias certas, a capacidade de negociação, a capacidade de execução, e a ética. É um desafio bem maior do que uma marcha contra a corrupção e, se for só isso, é melhor se juntar às marchas organizadas pelo Facebook.
Por fim, com um governo com enorme aprovação como o governo petista, as propostas para o próximo governo não devem ser, à princípio, uma negação das propostas atuais. Ao contrário, devem construir sobre o que vem sendo feito até agora, desenvolvendo seu potencial positivo completo. Um exemplo é redução da carga tributária: num país com a enorme carga de impostos como o Brasil, há a oportunidade de reduzi-la estrategicamente, favorecendo a sustentabilidade e a justiça social. Só assim, estaria à frente.
Pode-se ver as ideias de Marina sobre o novo partido aqui: http://www.valor.com.br/politica/2966208/marina-defende-o-ativismo-autoral
ResponderExcluirUm reflexão complementar pode ser encontrada aqui: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5928
ResponderExcluir"Na batalha para garantir que pelo menos haja segundo turno, os que fazem oposição ao governo Dilma sabem que não podem confiar só no PSDB. Torcem por um maior número de candidatos com pelo menos 10% de intenções de voto cada. Faz parte do jogo trazer Marina Silva de volta à cena, falando de meio-ambiente; dar voz ao Psol para falar de corrupção; estimular Eduardo Campos – que já disse que não é candidato - a se tornar candidato."