Marina precisa expandir o discurso e, de certa forma, se posicionar no Século XXI real, ou dizendo isso de outra forma, lidar com o Século XX que ainda não acabou.
Neste vídeo (abaixo), num evento com membros do Movimento pela Nova Política em São Paulo, Marina Silva fala sobre o novo partido. Ela não nega que pretende ser candidata, nem que seu carisma é importante, mas propõe que essa candidatura deve vir para agregar um movimento de pessoas preocupadas com um novo ideal: a sustentabilidade. O partido, na visão dela, não deve surgir a partir de seu carisma. Ela vai usar seu carisma para afirmar que as pessoas não devem se guiar por ele, mas sim por sua responsabilidade com a sociedade, com o planeta, com o futuro.
Ela não nega os avanços do PT; ela os reafirma e, talvez prematuramente, os dá como vencidos. O PT, partido que a Marina trata com carinho, não teria fracassado em seus ideais, mas sim na sua renovação, e no reconhecimento de uma nova agenda, uma agenda emergencial, tão emergencial quanto a miséria, que é a agenda da sustentabilidade. Segundo a Marina, a sustentabilidade é o ideal do Século XXI, assim como a igualdade foi o do Século XX.
É um partido que não é partido: é uma "Rede" pela sustentabilidade (veja em 20m19s), que não é proposto por ela, é um clamor do grupo que se agrega em torno dela. Cada um de nós, ela diz, é como uma estrela, que atrai outros em seu redor. Que sejam também estrelas que iluminem.
O nome do novo partido
As pessoas que propõem o novo partido, ou anti-partido (como dizem alguns) estão discutindo o seu nome. Querem que não tenha nome de "Partido". Para mim, em vez de "Partido", deve se chamar "Rede". A partir das palavras da Marina, uma "Rede da Sustentabilidade". Mas não é qualquer rede, pois é uma organização para atuar na política, isto é, na Nova Política.
Mas será que existe "Nova Política"? Qualquer coisa que se chame "política" já nasce velha (e se der certo, será velha em poucos anos). Assim, qualquer coisa com "Nova Política" no nome já nasce datada, com obsolescência programada.
Além disso, o termo "novo" é meio vazio de significado. Um caipira diria assim sobre o novo: _ Tudo bem, é "novo", mas é bão? Se não for bão eu num quero.
Precisamos de outra palavra para a política, que vem de polis, que quer dizer cidade. Essa outra palavra é "cidadania". O cidadão é responsável, exerce o seu dever e seus direitos, atua a partir de sua consciência. E o político? Tem como renovar isso?
Não tem. Vamos ser cidadãos! Se formos criar uma nova organização para participar das eleições, não devemos ir como políticos, mas sim como cidadãos. Então, não é um partido, é uma rede. Não é uma rede política, é uma rede de cidadãos, uma Rede Cidadã. E o que agrega essa rede é sua preocupação com a sustentabilidade, segundo a Marina. Então é uma "Rede Cidadã pela Sustentabilidade". Quer uma sigla? RECIS. Esta seria minha sugestão para este grupo que procura um caminho para participar das eleições de forma cidadã.
O problema de ser a Rede Cidadã pela Sustentabilidade
Na minha visão, neste discurso do vídeo Marina comete dois erros:
1) Não colocar a pobreza e a miséria no centro de seu discurso e, aparentemente, dar esses desafios como vencidos pelos governos de Lula e Dilma.
2) Não lidar com os maiores desafios da população ascendente, que muitas vezes conflitam com a sustentabilidade.
Apesar dos avanços dos últimos anos na área social (que costumo chamar de revolução), os desafios sociais do Brasil são ainda imensos, mesmo com a ascensão da "nova classe média". O governo atual está correto em estabelecer uma meta de erradicar a miséria, que é intolerável, e focar na redução da pobreza.
Mas além disso, há vários desafios que essa própria ascensão têm criado, até mesmo para a agenda da sustentabilidade, mas que, à primeira vista, deslocam a sustentabilidade "para depois".
Se encontramos um caminho para resolver a miséria nos governos Lula e Dilma (mesmo que ainda falte bastante para isso acontecer), estamos à beira de vários apagões cuja solução não será fácil, ainda mais de forma sustentável.
Se encontramos um caminho para resolver a miséria nos governos Lula e Dilma (mesmo que ainda falte bastante para isso acontecer), estamos à beira de vários apagões cuja solução não será fácil, ainda mais de forma sustentável.
O primeiro desafio será o apagão da produtividade. Com pleno emprego, o PIB do Brasil parou de crescer, e as medidas para o seu crescimento tendem a gerar inflação. Isso ocorre porque não conseguimos aumentar nossa produtividade, e isso depende de coisas que não mudam muito rapidamente: educação e capacitação, mentalidade corporativista, corrupção generalizada nos setores público e privado, etc. Também será muito importante lidar com a infraestrutura (ver abaixo), tema de conflitos com a sustentabilidade que defendemos.
O segundo desafio importante é o da saúde: a nova classe média tenta escapar dos serviços públicos de saúde e provoca o colapso dos planos de saúde, mostrando que, quando começamos a democratizar o acesso a saúde, não temos capacidade de atendimento, e a solução tampouco é fácil ou rápida (felizmente, não parece em conflito com a sustentabilidade), pois envolve a formação de novos profissionais de saúde, e isso leva tempo, e os que temos já não são nenhuma maravilha.
O terceiro apagão é o da infraestrutura, que vem sendo demandada além das expectativas e cuja expansão conflita diretamente com a questão da sustentabilidade, pelo menos enquanto novos paradigmas de transporte e geração de energia não se mostram viáveis na escala que o Brasil precisa, ou enquanto não tivermos capacidade de investimento para implementar, por exemplo, transporte público de qualidade.
Por fim, o quarto apagão importante é o da segurança pública, que sucumbe ao crime organizado, apesar de alguns avanços feitos no Rio de Janeiro em algumas áreas pacificadas.
Esses desafios são muito importantes pois, enquanto o Brasil melhora nas demais áreas, incluindo na área ambiental (por enquanto) com índices cada vez mais baixos de desmatamento (ainda que os números absolutos sejam elevados) e melhoria do saneamento (ainda que lento), nessas áreas ameaçadas de apagão (ou já em colapso), e em conflito com a sustentabilidade, o Brasil piora ano a ano.
Marina precisa expandir o discurso e, de certa forma, se posicionar no Século XXI real, ou dizendo isso de outra forma, lidar com o Século XX que ainda não acabou. Podemos argumentar que a sustentabilidade inclui tudo, ou que sem o meio ambiente equilibrado podemos perder até os avanços que já fizemos, mas entrar na disputa política só com a bandeira da sustentabilidade é como entrar num jogo de futebol só com o atacante. Pode até fazer um gol inicial, mas não ganha o campeonato.
Por isso, Marina, ou melhor, o novo partido, deveria deixar claro que sustentabilidade é seu diferencial, é aquilo que o posiciona à frente, que agrega os participantes, mas que não é a sua única preocupação nem sua única competência.
Por isso, Marina, ou melhor, o novo partido, deveria deixar claro que sustentabilidade é seu diferencial, é aquilo que o posiciona à frente, que agrega os participantes, mas que não é a sua única preocupação nem sua única competência.
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